Deus não existe: esta é a minha fé!
- murdochwilliam28
- Jun 18
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Desde os primórdios da humanidade, todos os povos — dos mais antigos aos mais isolados — desenvolveram algum tipo de concepção sobre o divino. Seja por meio de um Deus único ou de um panteão de deuses, parece que o ser humano carrega consigo, quase instintivamente, essa inclinação para o sagrado. Povos como os astecas, maias, africanos, europeus e tantos outros, mesmo sem contato entre si, prestavam culto a entidades superiores, oferecendo-lhes sacrifícios e devoção, muitas vezes por razões práticas como proteção, colheitas ou cura.
Essa presença constante da ideia de Deus na história e cultura humanas nos leva a uma pergunta inquietante: teria existido algum povo completamente sem Deus? Algum grupo humano que, como coletivo, jamais tivesse concebido o transcendente?
A psicologia analítica de Carl Jung pode ajudar nessa reflexão. Segundo ele, certos arquétipos — como o de Deus, da bondade, da beleza — estão profundamente enraizados no inconsciente coletivo. Não precisamos ensinar a uma criança o que é belo ou justo; ela parece já saber, de forma instintiva. A mesma coisa pode valer para a noção do divino. Isso nos leva a considerar se a ideia de Deus não seria algo mais do que mera construção cultural: talvez esteja escrita no próprio código da alma humana.
A partir disso, surge a figura intrigante do ateu radical. Não aquele que simplesmente duvida ou ignora a existência de Deus, mas aquele que luta para extirpar completamente qualquer vestígio de religiosidade, moral herdada ou noção de transcendência. Um ateu coerente, que rejeita não só a crença em Deus, mas tudo que dela decorre: valores, ética, amor gratuito, sacrifício desinteressado.
Mas será possível viver assim, com tamanha coerência? Seria possível eliminar até mesmo a herança milenar das culturas teístas — as quais moldaram leis, costumes, moralidade, instituições — e viver à margem de tudo isso, guiado apenas por interesses próprios e instintos de sobrevivência?

Se Deus não existe, por que respeitar o outro? Por que amar um filho, cuidar de um idoso, ajudar um estranho? A moral, nesse caso, seria apenas uma construção artificial para manter a ordem e o próprio bem-estar. O bem deixaria de ser bem em si, e passaria a ser apenas uma estratégia para evitar punições ou obter recompensas. O crime deixaria de ser condenável em essência e se tornaria apenas um risco calculado: se eu puder matar, roubar ou trapacear sem ser apanhado, por que não?
Essa lógica nos levaria a uma sociedade puramente egoísta, onde o prazer e o poder pessoal seriam os únicos norteadores. O bem seria feito não por ser bom, mas porque me favorece. O mal só seria evitado quando me expusesse a perigos. Assim, a vida humana perderia valor intrínseco, restando apenas o valor funcional.
Curiosamente, muitos ateus que se dizem céticos vivem de forma profundamente ética. Amam seus filhos, ajudam o próximo, se comovem com a dor alheia. Por quê? De onde vêm esses valores? Não será justamente porque continuam, mesmo sem perceber, a viver numa cultura encharcada de resquícios cristãos?

A questão se torna ainda mais provocadora quando vemos ateus militantes, que escrevem livros, fazem palestras, combatem a fé alheia com veemência quase religiosa. Se Deus não existe, por que tentar convencer os outros disso? Por que se importar tanto? Seria por desejo de libertar? Ou por necessidade inconsciente de reafirmar para si uma crença frágil e sem chão?
No fundo, talvez o ateísmo radical seja uma forma de fé. Uma fé negativa, mas ainda assim fé. Fé de que não há Deus, fé de que a vida é só matéria, fé de que o vazio é tudo que há. E como toda fé, essa também carrega uma angústia: a angústia de ter que sustentar-se sozinha, contra tudo que a história, a cultura e o próprio coração humano parecem dizer em contrário.
A pergunta final, portanto, permanece aberta: será que existe, de fato, um verdadeiro ateu? E, se existe, como ele consegue viver sem qualquer resquício da fé que tenta negar?




Há os que acreditam em Deus, os que se dizem religiosos (por tradição familiar ou social - e têm uma fé mais difusa) e os que só acreditam no que a ciência comprova materialmente (ateus). Porém, é interessante notar que os que creem no “inimigo” têm mais fé nas coisas espirituais do que os que se dizem religiosos (palavras - não exatas - de um padre exorcista).
Talvez os ateus não queiram convencer os outros sobre a inexistência de Deus, mas a si mesmos.